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“A NOVA ALTERAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA BENEFICIARÁ, NA PRÁTICA, AS MULHERES?”, QUESTIONA ADVOGADA FLORA MARIA EM ARTIGO

“A NOVA ALTERAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA BENEFICIARÁ, NA PRÁTICA, AS MULHERES?”, QUESTIONA ADVOGADA FLORA MARIA EM ARTIGO



Carta Capital

A Lei nº 13.871 foi sancionada no dia 17 de setembro último, alterando a Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – para dispor sobre a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizados. Acrescentou três parágrafos ao artigo 9º da Lei Maria da Penha.
O parágrafo 4º disciplina que
Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
 Do texto se observa que quem praticar violência doméstica e familiar contra a mulher deverá ressarcir todos os danos causados; sendo possível à mulher ingressar com Ação de Ressarcimento por danos morais e/ou materiais decorrentes da violência sofrida; não sendo só obrigatório o ressarcimento dos serviços prestados pelo SUS.
A Ação de Ressarcimento deverá ser proposta no Juízo Cível, pois muito embora a/o Vara/Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher tenha competência para julgar matéria cível e matéria penal, foi decidido pelo Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (FONAVID) que a competência cível das/os Varas/Juizados é restrita às Medidas Protetivas de Urgência, devendo as matérias cíveis ser julgadas nas Varas Cíveis. (Enunciado nº 3).
É importante salientar que a Ação de Ressarcimento não exclui todos os procedimentos que a mulher em situação de violência doméstica e familiar precisa adotar, como registrar boletim de ocorrência, solicitar Medida Protetiva de Urgência, etc., já que será indispensável demonstrar a existência da violência doméstica e familiar para a aplicação da Lei Maria da Penha.
Uma vez condenado/a ao ressarcimento dos danos materiais e/ou morais causados à mulher o/a Requerido/a deverá pagar a indenização fixada no prazo estabelecido pelo/a juiz/íza e caso não o faça, caberá Ação de Execução, podendo ter seus bens penhorados para quitar o débito.
O parágrafo 5º trata dos dispositivos de segurança disponibilizados para o monitoramento da mulher em situação de violência doméstica e familiar amparadas por medida protetiva de urgência. Como exemplo de dispositivo de segurança, temos o botão do pânico: um equipamento eletrônico que é entregue à mulher em situação de violência para ser acionado no caso de perigo iminente de agressão. Alguns Estados utilizam essa tecnologia, e seu custo deverá ser ressarcido aos cofres públicos pelos/as responsáveis pela agressão; contudo, o ressarcimento está vinculado à existência de medida protetiva de urgência, deferida e em vigor; caso contrário, não caberá ressarcimento ao Ente Público.
Por fim, o parágrafo 6º determina que o ressarcimento não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e de seus dependentes. Se assim fosse, não seria ressarcimento, mas mais uma penalidade aplicada à mulher. Igualmente, esse ressarcimento, tanto à mulher quanto ao Erário Público, não acarreta atenuante ou possibilita a substituição da pena aplicada.
No que se refere à substituição da pena, esta pode ocorrer nos casos em que o delito não for praticado com violência ou grave ameaça à pessoa; a pena de reclusão imposta não ultrapassar o limite de quatro anos; o agente não for reincidente em crime doloso e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do/a condenado/a, os motivos e as circunstâncias indicarem que a substituição é suficiente (art. 44, Código Penal). Todavia, a Súmula 588 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veda essa possibilidade para os casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher.
A prática de crime ou contravenção penal contra mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
A ação penal será processada independente da ação cível, que pode ou não ocorrer; já a ação penal, se envolver violência física, será processada independente da vontade da mulher. A ação penal irá tramitar na Vara ou Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; enquanto a ação de ressarcimento tramitará na Vara Cível ou na Vara da Fazenda Pública (quando o ressarcimento couber ao Ente Público). Poderão tramitar ao mesmo tempo, pois não há a necessidade do Juízo Penal confirmar que a mulher é vítima de violência doméstica e familiar; se a violência praticada se adequa ao estabelecido no artigo 5º da Lei Maria da Penha, é violência doméstica e familiar e assim sendo, a mulher já poderá ingressar com a ação de ressarcimento, enquanto o processo penal tramita em separado.
A data de entrada em vigor da nova Lei não foi estabelecida no texto; assim sendo, esta passará a ter validade 45 (quarenta e cinco) dias após a data de sua publicação. Tendo a Lei sido publicada dia 18 de setembro e, na contagem dos prazos, exclui-se o dia do começo e se inclui o dia final, a lei entrará em vigor no início do mês de novembro. Como a lei não irá retroagir para alcançar casos ocorridos antes de sua vigência, deverá ser aplicada às mulheres em situação de violência que a partir de novembro busquem o serviço de saúde (seja público ou particular), precisem utilizar dispositivos de segurança, sofram violência física, psicológica, moral, sexual e/ou patrimonial, configurando a violência doméstica e familiar.
Para muitas mulheres será importante recorrer à via judicial para terem ressarcidos os custos com tratamento médico em virtude de lesão sofrida, seja temporária ou permanente. Se a lei terá efetividade sobre a problemática da violência só o tempo irá demonstrar.
Bibliografia
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
______. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
______. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
______. Lei nº 13.871, de 17 de setembro de 2019. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizados.
FONAVID. Enunciados. Disponível em www.amb.com.br/fonavid/enunciados.php acesso em 22 de setembro de 2019.
STJ. Súmulas. Disponível em stj.jus.br/docs­_internet/SumulasSTJ.pdf acesso em 25 de setembro de 2019.
Flora Maria Brito Pereira é advogada e especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. Trabalha com a temática da violência contra a mulher desde 2008. Atuou no Centro de Referência Loreta Valadares, Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres.

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